Nunca houve tantos modismos na dieta quanto hoje.
Na segunda metade do século passado, os serviços de saúde americanos decidiram considerar a gordura animal, um veneno que obstruía coronárias e artérias cerebrais. A consequência foi o consumo excessivo de carboidratos, que disseminou a epidemia mundial de obesidade.
O início deste século assistiu ao nascimento de dietas surpreendentes: veganas, neandertais, sem lactose, sem glúten e até as que condenam tudo o que contém DNA (restariam as pedras, talvez).
Nos últimos dez anos, as dietas sem glúten ganharam notoriedade entre pessoas de poder aquisitivo mais alto. O número de mulheres que eliminou esse componente encontrado no trigo, cevada e centeio, explodiu.
“Numa discussão sobre esse tema na revista ‘Science’, Kelly Servick calcula que apenas nos Estados Unidos, vivam 3 milhões de pessoas sem doença celíaca, que declararam guerra ao glúten. No Brasil, o número é desconhecido.”
A principal razão para o sucesso entre o público feminino não foi uma inesperada intolerância coletiva ao glúten, mas se deveu ao fato de que suprimir esses três nutrientes faz perder peso, porque significa cortar pão, macarrão, bolos, biscoitos, tortas e outros carboidratos simples de índice glicêmico elevado.
Que fundamentos deram origem a essa ojeriza ao glúten, presente em nossas mesas desde que inventamos a agricultura, 10 mil anos atrás?
Existem pessoas geneticamente predispostas a disparar uma resposta imunológica autodestrutiva, quando a mucosa dos intestinos entra em contato com uma proteína presente no glúten, a gliadina. Ao atacar a gliadina, glóbulos brancos imunologicamente ativados provocam uma reação inflamatória na mucosa, que atinge a camada abaixo dela.
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Conhecido como doença celíaca, esse quadro é caracterizado por flatulência, diarreia, obstipação, cólicas, lesões de pele, emagrecimento e fadiga, entre outros sintomas.
O número de pacientes com diagnóstico de doença celíaca na população é proporcionalmente insignificante, quando comparado aos que alegam benefícios ao evitar alimentos que contêm glúten.
Numa discussão sobre esse tema na revista “Science”, Kelly Servick calcula que apenas nos Estados Unidos, vivam 3 milhões de pessoas sem doença celíaca, que declararam guerra ao glúten. No Brasil, o número é desconhecido.
Descontadas as que seguem o modismo, uma pequena parte delas tem sintomas compatíveis com alergia a alguma proteína do glúten diferente da gliadina: flatulência, cólicas, diarreia, náuseas, fadiga e até dores articulares.
Embora os autores concordem com a existência desses casos de intolerância não celíaca, divergem no entendimento dos mecanismos responsáveis por ela.
Um grupo está convencido de que a explicação estaria numa resposta imunológica contra outras proteínas do trigo, patologia obscura batizada com o nome de “sensibilidade não celíaca ao glúten”. A reação não seria mediada pelos glóbulos brancos da doença celíaca, mas pelos anticorpos IgE característicos dos processos alérgicos.
Outros acham que esses pacientes reagiriam à presença de carboidratos não absorvíveis pela mucosa intestinal, existentes no trigo e em outros alimentos. Esses carboidratos são conhecidos pela sigla OMDPPFs (oligossacarídeos, monossacarídeos, dissacarídeos, polissacarídeos e polióis fermentáveis).
OMDPPFs também são encontrados em concentrações elevadas em cebolas, alhos, leite, iogurte, maçãs, cerejas, mangas, assim como em alguns legumes e vegetais que sofrem fermentação no intestino e podem provocar sintomas semelhantes aos da alergia ao glúten. Nesse caso, milhares de pessoas eliminariam trigo, cevada e centeio de suas dietas inutilmente.
Na falta de marcadores que permitam identificar se flatulência, cólicas, náuseas e diarreia são causados pela “intolerância não celíaca” ao trigo ou por carboidratos do tipo “OMDPPFs”, a controvérsia a respeito dos alimentos que devem ser suprimidos divide os especialistas. Evitar glúten, lactose e todos os alimentos que contêm OMDPPFs torna as refeições restritivas, monótonas e com risco de não oferecer os micronutrientes essenciais ao organismo.
O que fazer, prezada leitora, enquanto os especialistas não desenvolvem exames laboratoriais para identificar o tipo de alimento que lhe traz desconforto abdominal?
Use o bom senso: experimente ficar duas ou três semanas sem ingeri-lo. Depois, volte a fazê-lo, para comparar os sintomas nos dois períodos. Se na reintrodução os sintomas retornarem, repita o teste mais uma vez, para ter certeza.
Não vá na onda da moda, não seja Maria vai com as outras.