Quando os cachorros do bairro Portal das Colinas, em Guaratinguetá, ouvem o som da bicicleta do carteiro Angelo de 32, eles tem uma reação no mínimo curiosa em vez de preparar um ataque ou latir ferozmente, os animais ficam à espera do carinho do amigo.
Angelo tem uma relação que não lembra em nada o clichê de inimizade entre os entregadores de correspondências e os cães. O amor do carteiro de Guaratinguetá pelos pets fez com que ele desenvolvesse métodos para conquistar a confiança dos amigos caninos.
“Chego com carinho no cachorro, brinco, converso e chamo de ‘amigão’. Dou a palma da mão, de longe, para ele cheirar. Depois, ele pega a confiança e permite que eu faça carinho. É um contato que o cachorro precisa para sentir confiança. Em uma ou duas semanas, ele vira meu amigo e está confiando em mim”, conta Angelo, por telefone, à BBC News Brasil.
O Carteiro percorre diariamente pouco mais de um quilômetro em sua bicicleta para fazer as entregas dos Correios. Em meio a sol escaldante ou à chuva, para Angelo encontrar os pets é um dos momentos mais felizes. “Eu amo os bichos. Neles, encontro uma alegria que me dá forças”, diz.
Além dos cachorros, há também alguns poucos gatos na rota diária do carteiro, com quem ele também faz amizade. Angelo se autointitula o “carteiro amigão” e costuma tirar selfies com os bichos. Ele publica as imagens em grupos de Facebook, onde recebe milhares de curtidas.
“Eu decidi compartilhar as imagens para que possam ver meu amor ao trabalho e aos animais. Fico muito feliz em saber que as pessoas gostam das minhas fotos com os animaizinhos”, diz.
“Sempre me preocupei em acabar com essa ideia de que os cães são inimigos dos carteiros. Eu quero demonstrar que é possível uma relação de amor entre os dois lados”, diz Angelo, que começou na profissão há cinco anos.
O Correio inclusive dá treinamentos aos profissionais de como se prevenir de possíveis ataques caninos. O órgão informou à BBC News Brasil que os treinamentos abordam conteúdos como comportamento e características dos cães, como identificar sinais e situações de risco, atitudes recomendadas na iminência de um ataque e as providências em caso de acidentes e raiva canina.
Carlos Alberts, da Unesp (Universidade Estadual Paulista), professor de comportamento e zoologia, diz que o embaraço com os carteiros ocorre porque os cachorros costumam defender o seu território.
“Existe uma ideia de reforçamento. O cachorro tende a latir sempre que o carteiro se aproximar e, depois disso, o entregador vai embora. Então, o cão aprende que sempre que latir, o carteiro sempre vai deixar o local”, explica.
Para contornar dificuldades com os cachorros, o professor detalha que o carteiro não deve demonstrar medo do animal. “A comunicação não verbal é importante. Se o entregador ficar com medo, o cão perceberá. O cachorro saberá que aquela pessoa não faz parte da ‘matilha’ da residência onde vive. Se o carteiro for apresentado ao animal ou tiver um contato melhor com ele, o cão entenderá que o trabalhador faz parte da ‘matilha’ e o deixará em paz.”
As dificuldades no entrosamento com os animais foram percebidas por Angelo em alguns casos. Ele conta que nem todos os pets são receptivos à sua presença. “Alguns são bravos e não querem carinho. Mas creio que uma hora também conquistarei a confiança deles. Vou interagindo aos poucos. No início, não tinha muitos amigos, agora quase todos gostam de mim”, relata.
Abrigo para os abandonados
Angelo sempre teve amor pelos animais. “Meus pais sempre tiveram cachorros em casa e eu sempre gostei muito”, relata.
Angelo que mora com a noiva, que por sinal também é apaixonada por pets, eles tem três gatos e dois cachorros, todos recolhidos nas ruas.
No seu trajeto diário para as entregas, o carteiro se depara com diversos animais abandonados, para os quais ele também costuma dar atenção. “Fico muito triste pelo abandono que eles sofrem e por não poder ajudar como queria. Na minha cidade tem protetoras que tentam auxiliar esses animais, mas é muito difícil sem a ajuda do poder público”, lamenta.
Sempre que pode Angelo ajuda no resgate de alguns animais abandonados, que posteriormente são acolhidos temporariamente pelas protetoras da região. “Se eu pudesse e tivesse condições, levaria todos para a minha casa. Eles são fiéis companheiros. É preciso amá-los mais”, diz.
Um dos sonhos dele é construir um espaço para cuidar dos animais. “Sempre jogo na loteria para ver se ganho dinheiro para comprar um terreno grande, para fazer um belo canil e resgatar os abandonados.”
Informações:G1