E os melhores momentos da vida estão no lado oposto ao medo.
Andre Schurrle no verão de 2020, quando ainda não tinha completado 30 anos, decidiu terminar a carreira. Contra todas as expetativas, revelou que já não era feliz e disse adeus.
«As profundezas eram cada vez mais profundas e os momentos de alegria eram cada vez mais raros», explicou numa entrevista ao Der Spiegel.
«Houve uma altura na minha carreira em que eu ainda sentia a paixão pelo futebol, mas as coisas à minha volta eram cada vez mais um negócio. Era só rendimento e pressão. Eu sei que é normal no futebol de topo, mas ao mesmo tempo é muito stressante.»
No verão de 2020 Schurrle estava de férias e apercebeu-se que já não sentia aquele nervosismo por voltar ao clube, recomeçar os treinos e iniciar uma nova época.
«Eu estava sem dúvida numa situação privilegiada, já conquistara muito, tanto desportiva quanto financeiramente. Muita gente, inclusivamente alguns ao meu redor, não entenderam a minha decisão no princípio. Mas de qualquer maneira a escolha estava muito clara na minha cabeça e não me importava o que os outros diziam. A paixão por jogar e por dar tudo dentro de campo tinha acabado. Enchi-me de coragem e tomei uma decisão para a minha vida.»
Andre Schurrle tinha 29 anos e contrato com o Borussia Dortmund.
Já tinha sido campeão inglês, com José Mourinho, já tinha vestido as cores do Bayer Leverkusen, do Chelsea e do Borussia Dortmund, já tinha jogado dois Europeus, já tinha até sido campeão do mundo e desempenhado um papel fundamental no título da Alemanha.
Na final do Mundial 2014, no Brasil, foi dele a assistência para o golo de Gote que venceu a Argentina. Antes disso fez três golos, um dos quais valeu a passagem aos quartos de final.
«O futebol sempre significou e ainda significa muito para mim. Não se desiste de um amor assim. Mas eu estava mil por cento seguro: sabia que era hora de começar uma nova vida.»
À procura da felicidade, primeiro junto da família
Natural de Ludwigshafen am Rhein, uma cidade industrial, de 160 mil habitantes, Andre Schurrle sempre foi muito ligado à família: o pai, a mãe e uma irmã. Começou a jogar nos benjamins do Ludwigshafen Sports Club, com 16 anos mudou-se para o vizinho Mainz e duas épocas depois cometeu o enorme feito de conduzir a equipa ao título alemão de juniores.
Thomas Tuchel era o treinador desse grupo de adolescentes que surpreendeu a Alemanha.
«Quando hoje falo com os meus pais, lembrámo-nos daquela época como as memórias mais felizes. Éramos uma equipa de verdade, com um grande espírito e divertíamo-nos muito, durante as viagens, nos jogos. O Thomas Tuchel tinha aquele fogo por ganhar e ajudou-nos a vários níveis. Todos nós sabíamos que poderíamos chegar longe.»
Não deixa de ser sintomático que a memória mais feliz seja de um título de juniores, quando o futebol não era bem um trabalho. Até essa altura, Schurrle viveu sempre em casa dos pais e continuou a estudar na escola de sempre. Com os amigos de sempre.
Fazia todos os dias uma hora de viagem de comboio para ir treinar a Mainz, mas não se queixava. Nem quando subiu ao plantel principal mudou essas rotinas.
Acabou o secundário, tirou cursos avançados de matemática, geografia e inglês. O pai, licenciado em economia, gostava que os filhos fizessem desporto e por isso a irmã chegou a praticar atletismo. Já a mãe não admitia que deixassem de ter uma vida familiar normal.
Só quando assinou pelo Bayer Leverkusen, aos 20 anos, é que saiu de casa dos pais. Em Londres, o clube ofereceu-lhe um apartamento todo em vidro, numa zona exclusiva, protegida vinte e quatro, com acesso direto ao Tamisa e vista sobre a cidade.
«Mas o que é que eu vou fazer aqui sozinho?», perguntou-se.
Dia após dia, mês após mês, ano após ano, Schurrle foi sentindo que o futebol profissional tinha menos encanto. Já não era tão divertido como imaginava nos sonhos de criança.
Por isso em 2020, com 29 anos, abandonou a carreira e foi procurar a felicidade. Tinha casado, nascera a primeira filha e encontrou em casa a estrutura que precisava para se reequilibrar.
Tornou-se um pai totalmente presente.
«Adoro passar tempo com os meus filhos e saber que eles têm um pai que os conhece a cem por cento. Acho que isso foi muito importante para mim, para não cair num buraco.»
Desafiar os limites para reencontrar o equilíbrio
Schurrle diz para reencontrar a felicidade era preciso estar bem com ele, ter tarefas para cumprir e uma estrutura muito clara. As crianças davam-lhe isso, mas o alemão sentia que era necessário mais. O desporto, a procura de ultrapassar limites, trouxe o equilíbrio que faltava.
«Depois de mais uma longa corrida, tenho de falar sobre o exercício físico e desporto em geral. Adoro! É o melhor que alguém pode fazer por si mesmo», escreveu uma vez nas redes sociais.
«Ter uma rotina em que fazemos alguma coisa todos os dias: ginásio, competição, corrida, caminhada, treinos de força. Gosto de me levar aos limites e testar o meu corpo. É isso que me dá um grande equilíbrio no dia a dia, ao lado da minha família! Então vamos lá. Toca a levantar da cama e ir fazer exercício.»
A vontade de se testar e de querer novos desafios foi criando uma necessidade de estabelecer novos limites. Até que chegou ao derradeiro teste: cumprir a Experiência Wim Hof.
Em dezembro de 2022 o alemão definiu o novo desafio e durante um ano trabalhou para se preparar. O Método Wim Hof consiste na superação de temperaturas extremas através de técnicas de concentração e de respiração. Foi criado pelo neerlandês Wim Hof, um orador motivacional e praticante de desportos radicais, que há mais de quinze anos tem divulgado os benefícios da exposição do corpo humano à água gelada e a temperaturas negativas.
Logo em dezembro de 2022 mostrou-se em tronco nu, dentro de um banho de água gelada.
«O ego diz-te: não faças isso, não precisas, volta para o teu apartamento aconchegante. Eu respondo: a sensação quando saímos da nossa zona de conforto é incrível. Há algum tempo ouvi uma frase que não esqueço. As melhores coisas e os melhores momentos da vida estão no lado oposto ao medo», escreveu nessa altura nas redes sociais.
Durante mais de um ano, Andre Schurrle foi preparando o corpo para tolerar a agressão física. Trabalhou metodologias de respiração consciente e de meditação na posição flor de lotus, através das quais o corpo consegue interromper a atividade mental e criar sensações de calor.
«A exposição ao frio é uma parte da experiência. A outra parte são as sessões intensivas de respiração. As emoções e os sentimentos que surgem nessas sessões são incríveis. Já chorei, ri e relaxei. Perdoei as pessoas e senti uma gratidão incrível pela vida e pelo universo», revelou.
Mais de um ano depois de ter começado os treinos, Schurrle lançou-se então na aventura de uma vida. Durante três dias enfrentou temperaturas de 19 graus negativos, muita neve, imenso gero e ventos superiores a cem quilómetros por hora para subir ao cume do monte Sniezka.
Com mais três companheiros, trepou os 1600 metros da montanha mais alta da República Checa, na fronteira com a Polónia, vestindo apenas calções, botas, luvas e um gorro.
«Uma experiência que nunca vou esquecer. Foi a coisa mais difícil física e mentalmente que já fiz. Nos últimos minutos não consegui sentir nada e tive de encontrar forças no fundo de mim para seguir em frente. O que eu aprendi: o meu corpo e eu somos mais fortes do que pensava. Se puser a minha mente nisso e for ao fundo da minha alma, eu consigo tudo.»
E a verdade é que conseguiu.
Resta saber agora qual vai ser o próximo desafio. Porque, como ele diz, levar-se ao limite devolveu-lhe o equilíbrio para voltar a sorrir quando o futebol já não o fazia feliz.
E os melhores momentos da vida estão no lado oposto ao medo.
Fonte: Maisfutebol
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