Quando terminou um namoro de cinco anos com um rapaz com quem tinha planos de se casar, Alice, jornalista, 28 anos, sentiu uma das maiores tristezas de sua vida. Durante seis meses, perdeu a conta de quantas noites adormeceu chorando.
Sentia dor no peito, angústia. Um misto de tristeza, incredulidade pelo repente da mudança, raiva pela forma atrapalhada como a relação terminara e saudades da pessoa com quem mais havia dividido momentos íntimos, felizes e difíceis. Mas todo o sofrimento que sentiu por essa perda em nada se compara ao que viveu enquanto esteve em depressão, quatro anos antes.
“Quando terminei o namoro, o que eu sentia era uma tristeza forte. A raiva, a decepção e a saudade também eram intensas. Tudo em mim era muito cheio de sensações, de emoções que são do ser humano. E tinham um motivo claro, específico.
Na depressão, era bem diferente: a minha tristeza era oca, vazia. Não tinha pulsão de vida. E era um sentimento meio vago, generalizado. Eu não queria fazer nada. Não queria sair da cama de manhã, não tinha vontade de comer… Perdi sete quilos em nove meses. Essa falta de apetite se estendia a tudo. Eu perdi o gosto pelas coisas da vida. Me sentia inerte, boiando, à deriva. Até continuava fazendo o meu trabalho com afinco, porque sempre fui caxias e perfeccionista.
Recebia elogios e tudo o mais… Mas tudo era muito pesado, custoso e sofrido. Muito diferente também era a minha capacidade de reagir à tristeza. Depois do fim do namoro, eu conseguia me alegrar, em certos momentos. Se uma amiga insistisse para ir com ela ao cinema, por exemplo, eu conseguia me envolver com o filme, me distrair por um tempo. Durante a depressão, esse tipo de coisa não me ajudava em nada. Eu achava um saco ter que vestir uma roupa, sair de casa, não conseguia ver a menor graça no filme… Isso só servia para alegrar as pessoas à minha volta, que acreditavam estar me animando. O que me fazia sentir apoio era ter as pessoas por perto, mas em casa, sem a obrigação de fazer coisa alguma.”
O que Alice acabou de descrever são os sintomas centrais da depressão, o mais comum dos transtornos da mente, que atinge uma em cada seis pessoas, ao longo da vida.²⁸ Mais do que a tristeza experimentada nos momentos difíceis que ocorrem com todo mundo, o que as pessoas em depressão sentem, em diferentes graus, é uma enorme falta de prazer e motivação e uma sensação permanente de vazio e melancolia. “Às vezes, a pessoa deprimida não chega a se sentir triste, mas não acha graça em coisa nenhuma, não tem energia para fazer nada, não vê sentido na vida”, explica o psiquiatra Ricardo Alberto Moreno, diretor do Programa
Transtornos Afetivos (Progruda), do Instituto de Psiquiatria da Universidade de
São Paulo (USP). Além desses dois aspectos definidores do transtorno, há ainda
uma série de sintomas que uma pessoa depressiva pode apresentar. Na forma
clássica da doença, a chamada depressão melancólica, que representa 60% a 70%
dos casos, é comum o sujeito perder o apetite e emagrecer, sem fazer dieta.
Frequentemente, tem também problemas de insônia – demora mais que o habitual a pegar no sono ou acorda espontaneamente uma a duas horas antes do que de costume, sem que esteja completamente revigorado. O humor e a falta de energia pioram pela manhã. Na depressão atípica, que acomete 15% dos pacientes deprimidos, os sintomas físicos se invertem: a pessoa tem mais apetite que o normal,ganha peso e tem sono excessivo – costuma dormir duas horas além do que está acostumada e, mesmo assim, vive exausta. As pernas chegam a ficar pesadas, como se estivessem arrastando correntes. Há ainda outros tipos de depressão:
Sazonal (ligada a invernos rigorosos, nos países nórdicos), pós-parto (que geral-
mente começa durante a gravidez e torna-se mais evidente no primeiro mês após o
nascimento do bebê), depressão ansiosa (com sintomas de ansiedade, como
taquicardia, suor excessivo, dor de barriga, agitação mental e física, estado de aler-
ta constante, com a sensação de que algo ruim vai acontecer) e depressão psicó-
tica (a forma mais grave da doença, em que a pessoa se desliga da realidade, po-
dendo ter delírios e alucinações).
Qualquer que seja o tipo de depressão e o grupo de sintomas que define cada um deles, a marca desse transtorno é a negatividade. Os sentimentos e pensamentos se voltam todos para baixo. A pessoa fica pessimista, com a autoestima baixa, julga-se incapaz ou até inútil, sente culpa por tudo, fica à flor da pele, chora facilmente, torna-se desconfiada, sente mais medo. Tem muitas críticas e exigências, nada lhe agrada e o mau humor e a irritação são constantes.
A pessoa passa a enxergar problemas e dificuldades em coisas que antes lhe eram triviais, como cumprir a rotina dos filhos, dar conta das tarefas do trabalho, fazer ginástica ou ir a uma festa. Tomar decisões também passa a ser mais complicado. O deprimido, em geral, torna-se um sujeito hesitante. Tende a ficar ruminando pensamentos ruins e sofre com ideias de ruína financeira, fracasso, doença e morte.
Está, enfim, de mal com a vida e, em última instância, sentindo-se sem vida (no final do capítulo, um teste ajuda a identificar os sintomas de depressão). Todos esses sintomas não se limitam a um sofrimento subjetivo. O mal-estar causado pela depressão acaba comprometendo as atividades e relações da pessoa que está doente. Ela se sente chata, desagradável – e, muitas vezes, está, de fato, pouco agradável, por causa da percepção negativa do mundo que a doença lhe impõe. Isso faz com que muitos colegas, amigos, namorado e familiares vão se afastando, mesmo sem querer, no momento em que a pessoa mais precisa de apoio e paciência.
Parte extraída do Livro: Não é coisa da sua cabeça
Autores: Naiara Magalhães & José Alberto de Camargo
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