Por: Fabrício Carpinejar
O casamento está bem, as amizades continuam firmes, a carreira se mostra consolidada, os filhos estão felizes, mas você se encontra desesperado.
Não tem a mesma confiança, a mesma esperança de antes, o mesmo ânimo resiliente. Nem consegue explicar a sua vontade de chorar.
Então, estamos parecidos. Como eu, não conseguiu se dissociar da realidade. A alienação é impossível.
Eu vi o vídeo da juíza carioca Viviane Arronenzi, 45 anos, ser assassinada covardemente na véspera de Natal (24), pelo ex-marido diante das três filhas do casal. Ela deixava as crianças para passarem o feriado com o pai.
Preferia não ter visto: pornografia da violência.
Os gritos das meninas suplicando para que ele parasse acabaram com qualquer sensibilidade em meus ouvidos. Foram dezesseis facadas. Ele não queria que, de modo nenhum, ela sobrevivesse. Não parou de desferir os golpes até cansar. É uma misoginia extrema, de não admitir que uma mulher pudesse ter tanto brilho próprio.
Não odiava uma pessoa, e sim um gênero, a liberdade de um gênero.
Ele não matou apenas a ex-esposa, mas a mãe de suas filhas, a profissional dedicada, a filha zelosa, a amiga pontual. Muitas pessoas foram mortas numa única pessoa. É um homicídio quíntuplo.
Sacrificou ainda a memória e o futuro de suas filhas. Porque as crianças perderam mãe e pai ao mesmo tempo. Da pior forma, veio a orfandade. Pelo feminicídio cruel, onde uma série de lâminas estava escondida entre os presentes no porta-malas do carro.
O que venho sentindo é a dor da humanidade. O mundo externo é também o meu interior. No ar em que respiro, inspiro os gemidos da vítima.
A dor de pertencer a uma realidade insuportável, inexplicável. Um misto de vergonha e repúdio, que nem gritando espanto.
Como alguém faz tal barbaridade à luz do sol, em emboscada calculada, longe do socorro?
Ele não era um homem comum, não era um pai comum, violento desde sempre. Devemos acreditar mais nas evidências. Não há contos de fadas no inferno.