Texto publicado na: Conti Outra
Sabemos que é difícil não se comover com o drama das crianças que vivem em aldeias pobres na África, expostas à extrema miséria, à fome, à falta de saneamento básico, de saúde, do mínimo para sobreviver com dignidade. E é grande o desejo de tentar fazê-las sorrir, mesmo em meio a tantas adversidades. Mas é preciso ter algo em mente: Elas não são um prêmio para serem usadas no intuito de atrair likes no Instagram! Não pegue uma criança aleatória no colo apenas para forçá-la a tirar um foto com você!
A discussão em torno dessa prática cada vez mais rotineira nas redes sociais, principalmente entre as celebridades, foi suscitada recentemente, quando a documentarista britânica Stacey Dooley fez um post no Instagram, mostrando ela segurando um garoto ugandês no colo, com a seguinte legenda: “OB.SESSSSSSSSSSSED” (obcecada em portuuguês) e um emoji de coração partido.
Tantas outras pessoas já fizeram a mesma coisa que muitos se solidarizaram com Stacey Dooley quando o deputado trabalhista britânico David Lammy a citou depois de implorar pelo fim do complexo de “salvador branco”.
A resposta das pessoas a David Lammy pode ser interpretada como um lembrete de que o bom senso é extremamente incomum. Homens brancos revoltados em toda a Inglaterra saíram em defesa de Dooley, acusando o deputado negro de ser o verdadeiro racista da história (!) por não apreciar o trabalho maravilhoso que Dooley está fazendo por ousar ir tão longe na grande selva africana. Alguém chegou a twittar : “Este mundo precisa de mais ‘salvadores’, não importa a cor.”
E honestamente, como podemos argumentar contra isso? Ser contra super-heróis é como ser contra o bem da humanidade. Você teria que ser louco! Então, sejamos claros: os salvadores são ótimos. Eles salvam coisas que precisam ser salvas.
https://www.instagram.com/sjdooley/?utm_source=ig_embed
Mas o conceito de “salvadores brancos” não se refere a isso. Trata-se de uma necessidade muito específica do Ocidente de retratar a África como um lugar em ruínas, com solo vermelho, moscas e crianças que nem sabem que é a época do Natal. Isso reforça a visão de que os africanos nunca podem ser a solução, de que são impotentes, sem qualquer agência própria e que o sol e a esperança só surgem quando embalados no abraço caloroso e brilhante de alguém de pele branca.
Se você ficou confuso em relação a como proceder sem ser acusado de racismo, basta se fazer a seguinte pergunta: Como eu agiria em um abrigo para pessoas sem-teto na minha própria cidade? Você pediria que todos parassem o que estão fazendo para posar para uma foto em que você é o protagonista? Ao ver uma criança brincando, você a tomaria nos braços e a seguraria no alto como um troféu? É presumido que não. Portanto, basta ter isso em mente.