A China realizou dois estudos internacionais, durante a quarentena obrigatória, que foram recém-publicados na revista de grande prestígio no meio científico,a Lancet Gastroenterol Hepatol.
Esses estudos apontaram que os pacientes da Covid-19, tinham em suas fezes o material genético do vírus, mesmo após não apresenta-lo mais no pulmão nem em vias respiratórias.
Pesquisas
A primeira pesquisa foi feita no Hospital Universitário de Sun Yat-sen, em Zhuhai, na China, realizada entre 16 de janeiro e 15 de março, durante o período da ocorrência da Covid-19. Foram analisadas amostras de fezes e do trato respiratório de 98 pacientes.
“Os cientistas detectaram o novo coronavírus nelas”, conta a bióloga e doutora em Engenharia Hidráulica e Saneamento, Juliana Calabria de Araújo, da Universidade Federal de Minas (UFMG) e subcoordenadora, do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia – Estações Sustentáveis de Tratamento de Esgoto (INCT – ETS Sustentáveis).
“Os autores ressaltaram que embora o conhecimento sobre a viabilidade (capacidade de infectar) do novo coronavírus seja limitado, ele poderia estar viável por vários dias, levando à transmissão fecal-oral, conforme verificado nos casos de outros vírus, que transmitem a síndrome respiratória aguda (CoV) e a síndrome respiratória aguda do Oriente Médio (CoV.2)”, diz Juliana.
“Eles recomendam, portanto, que as amostras de fezes devem ser testadas rotineiramente, mesmo após as amostras das vias respiratórias dos pacientes estarem sem contaminação.”
No segundo estudo, os pesquisadores analisaram 15 artigos científicos e dados publicados anteriormente, para mostrar o envolvimento entérico do coronavírus, ou seja, que ele está presente no trato gastrointestinal dos pacientes com ele, já que em algumas pessoas infectadas os sintomas incluem dores abdominais e diarréia.
Nesse estudo o objetivo principal era descobrir se é possível sua transmissão pela rota fecal-oral.
Esgoto na Holanda
Uma terceira pesquisa, realizada na Holanda, conseguiu detectar o novo coronavírus em amostras de esgoto do aeroporto de Schiphol, em Amsterdã, bem como em outras das Estações de Tratamento de Esgoto (ETE) das cidades de Kaatsheuvel e de Tilburg (esta última trata o esgoto do aeroporto de Schiphol), após duas semanas da confirmação do primeiro paciente com covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus, na região.
Após as evidências, o INCT, divulgou uma nota técnica fazendo um alerta para os efeitos da presença do coronavírus no esgoto.
O texto mostra a possibilidade da transmissão via feco-oral do vírus Sars-CoV-2, e pode causar muitas implicações, em especial em áreas que são consideradas carente de infraestrutura de saneamento básico.
‘Poderemos estar despejando nos rios uma enorme carga viral’
Uma das implicações das conclusões dos estudos, segundo a nota técnica do INCT – ETS Sustentáveis, é que o monitoramento do esgoto para verificar presença do coronavírus é uma boa estratégia para detecção da doença ou infecção viral na população, inclusive na parcela que não a manifesta — portadores assintomáticos.
Por meio de pesquisas, algo semelhante já vem sendo realizado e está em desenvolvimento pelo instituto. Em um primeiro momento para bactérias resistentes a antibióticos e outros potenciais patógenos já conhecidos.
Outra implicação importante, diz o texto, “considerando a situação sanitária do Brasil, em que apenas 46% do esgoto gerado no país são tratados (segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS 2018), é que nos meses em que durar a pandemia poderemos estar despejando em nossos rios uma enorme carga viral”.
Como consequência, “poderá ocorrer o aumento da disseminação do vírus Sars-CoV-2 no ambiente e a infecção da parcela mais vulnerável da população, aquela que não tem acesso a uma adequada infraestrutura de saneamento básico”.
Portanto, diz o Instituto, “ações conjuntas e coordenadas dos profissionais da área da Saúde, do Saneamento, das universidades e dos governos são urgentes nesse cenário de emergência de Saúde Pública, que pode se agravar ainda mais em função dos problemas de desigualdade social e do ainda elevado déficit na prestação de serviços de saneamento em nosso país (cerca de 100 milhões de brasileiros não têm acesso ao serviço de coleta de esgoto e 35 milhões não têm acesso a água tratada)”.
Mesmo com estes alertas, não há motivos para pânico. Juliana explica que os estudos de fato mostram que se os efluentes hispitalares e o esgoto doméstico, que podem ter a presença do vírus, forem lançados diretamente nos rios e mananciais utilizados para abastecimento de água, sem o devido tratamento, poderão contaminá-los.
No entanto a pesquisadora faz uma ressalva, que ainda não se tem dados sobre o risco para a saúde das pessoas abastecidas por rios e mananciais contaminados.
“De acordo com o CDC (Centro de Controle de Doenças, na sigla em inglês dos Estados Unidos, o novo coronavírus ainda não foi detectado em amostras de água tratada”, conta Juliana.
“Os métodos usados no tratamento convencional, que usam filtração e desinfecção, tais como na maioria das estações de tratamento (ETAs), devem remover ou inativar o vírus causador da covid-19.”
Quanto ao risco de uma pessoa com o RNA viral nas fezes contaminar outra, ainda faltam dados. “A presença do seu material genético no sistema gastrointestinal não significa que o vírus esteja viável e na sua forma infecciosa”, tranquiliza Juliana.
Com informações:BBC