Do site: Aleteia
Por: Francisco Borba Ribeiro Neto
Esse pode ser um Dia das Mães especial, onde nos damos conta do quanto a mentalidade consumista e o individualismo moderno nos impedem de saborear a riqueza dos relacionamentos familiares.
O cristianismo, em sua sabedoria milenar, instituiu períodos de preparação (a Quaresma e o Advento) para suas grandes festas (Páscoa e Natal). Nosso coração e nossa inteligência precisam desses tempos para se colocarem numa postura adequada para saborear as festas. Num senso bem mais profano, as festas populares também têm seu tempo de preparação, informal e geralmente usado para os preparativos da festa.
Antes do Dia das Mães, a preparação normalmente se concentra na procura do presente adequado e na escolha e preparação do cardápio familiar.
Nesse ano, com quarentena na maior parte do País, as coisas serão um pouco diferentes para a maioria de nós. O isolamento social nos afasta das matriarcas, agora “população de risco”, ao mesmo tempo que dá a muitas jovens mães trabalhadoras uma possibilidade inédita (e complicada) de uma longa convivência com seus filhos pequenos. Os serviços online podem suprir em parte as compras nas lojas, mas pode-se constatar uma redução no volume de propagandas e no movimento consumista que normalmente antecede essa data.
Teremos um Dia das Mães menos consumista e no qual todos, mães e filhos, terão a chance de refletir sobre o significado da maternidade – e isso é muito, muito bom. O aumento do consumo nessa época não é um mal em si. Nesse sentido, precisamos até superar certos moralismos que atrapalham a festa.
Presentear é uma forma de demonstrar afeto e consideração em praticamente todas as culturas humanas. A alegria da festa também sempre se expressa em refeições especiais. É natural e justo que os presentes (os quais não implicam sempre em compras) e as grandes refeições familiares se multipliquem nesse período.
O problema reside em nossa dificuldade de expressar afeto e consideração sem recorrer a objetos, à tendência de avaliar uma relação pelo preço do presente, de fazer a festa sem antes ir se reconciliar sinceramente com o irmão (cf. Mt 5, 19). Por isso, uma comemoração na qual a reunião festiva e as compras estão comprometidas pode ser uma oportunidade para todos nós.
O amor desencontrado
Nos tempos atuais, falamos muito de amor, mas somos cada vez mais deseducados a amar. Bento XVI, na Deus caritas est (DCE 3-8), lembra que começamos a amar desejando algo bom para nós – como a criança quer a mãe e o adolescente deseja a namorada. Este é o eros. Contudo, à medida que amadurecemos, percebemos que só isso não basta para nos satisfazer. O impulso erótico acaba por tentar se apoderar da pessoa amada, privando-a de liberdade, e frustrando o próprio amante. O amor, para crescer, continua Bento XVI, deve evoluir para se tornar doação (ágape). É a experiência do casal, que deseja primeiro o bem um do outro e depois a doação a um outro, o filho.
O individualismo cada vez maior de nossa cultura, contudo, vem acompanhado de uma imaturidade afetiva crescente. É cada vez mais difícil o eros evoluir para ágape. As relações interpessoais deixam de ser regidas pelo afeto e se tornam “contratos”, onde um dá ao outro em função daquilo que recebe. Quando a reciprocidade é quebrada, quando um não corresponde mais às expectativas do outro, o contrato deve ser quebrado, segundo essa mentalidade – é o drama de tantos relacionamentos destruídos em nossa sociedade.
Por outro lado, a “dúvida sistemática”, que seria um valor inegável quando usada pelo método científico, não sabe trabalhar com a contradição inerente ao ser humano, que não faz o bem que quer, mas sim o mal que não quer (cf. Ro 7, 19). Ninguém sabe amar perfeitamente ou consegue ser sempre coerente ao amor que sente. Para a mentalidade atual, contudo, essa contradição lança uma dúvida sobre a própria existência do amor.
Não conseguimos amar como gostaríamos, mas cobramos que os outros nos amem como gostaríamos – e quando as coisas não acontecem segundo nosso projeto passamos a duvidar do próprio amor.
Num mundo que não sabe amar, a doação se confunde com subserviência, a dedicação e a preocupação com o bem do outro com cobrança ou controle. O justo desejo de superar os limites do autoritarismo patriarcal se torna um questionamento sobre a própria essência das relações familiares.
Maternidade e compreensão do amor
Esse pode ser um Dia das Mães especial, onde nos damos conta do quanto a mentalidade consumista e o individualismo moderno nos impedem de saborear a riqueza dos relacionamentos familiares, redescobrir o amor humano, tão belo quanto contraditório.
Com propriedade, o Papa João Paulo I lembrava que Deus é pai, mas também é mãe. A maternidade é, sem dúvida, o último e mais forte baluarte da gratuidade possível mesmo com os limites do amor humano. Sem a compreensão dessa riqueza, viveremos uma sociedade reduzida ao cálculo e a interesses individualistas, incapaz de compreender a ternura e o dom de si necessários à plena realização da pessoa humana. Não percamos essa chance, uma das tantas que Deus nos dá nesse tempo de pandemia – pois Ele pode fazer um bem maior surgir do próprio mal.