Por: Revista Saber Viver

A enfermeira Márcia Cristina dos Santos, de 50 anos, recebeu a visita dos pais, em 12 de março, mas o que era para ser um momento de alegria, se tornou o momento mais triste da sua vida.

Os pais da enfermeira, Adalgiza, 80 anos e Benedito 84, saíram do pequeno município de Uraí (PR), e seguiram para Brasília para visitar a filha e o genro. O casal já havia marcado a viagem com alguns meses de antecedência e o plano era que passassem algumas semanas na casa da filha.

Preocupação

Márcia que era da área da saúde, na época, acompanhava com preocupação as notícias sobre o coronavírus. Na data da chegada dos pais, no Brasil ainda eram 77 casos confirmados pelo Ministério da Saúde, sendo que no Distrito Federal havia somente dois casos, e nenhuma morte no país. Na época, não havia orientações de autoridades sobre isolamento social ou para que as pessoas evitassem viagens com destinos nacionais.

“Até então, o vírus parecia uma situação distante. Pensava que fosse algo que logo passaria”, revela Márcia. “Não acreditava que fosse chegar ao nível em que as coisas chegaram. Não estava acompanhando muito as notícias no começo, por isso não tinha a dimensão do problema”, diz Márcia, que há um ano deixou a profissão de enfermeira para abrir um ateliê de costura.

Quem mais demonstrava preocupação com o novo coronavírus era o marido da enfermeira o sargento da Polícia Militar José Romildo Pereira, como trabalhava nas ruas ele temia levar o vírus para casa. Desde os primeiros registros no país, ele passou a adotar medidas como a higienização constante das mãos e não tinha contato com a esposa antes de tomar banho, após retornar do serviço.

Márcia e José, que estavam juntos havia 10 anos, e tinha vários planos, desfrutavam da casa que haviam construído recentemente. Em abril, o policial entraria de férias. Até junho, ele deveria se aposentar, após 30 anos de trabalho na PM.

sabervivermais.com - Uma visita familiar que se transformou em tragédia por causa do Covid-19

Porém no início de abril, Márcia viu todos os seus planos serem arrancados pelo coronavírus, ela perdeu o marido e o pai. Diagnosticada também com o Covid-19, ela não pode nem acompanhar o breve enterro dos entes queridos.

“Está sendo muito difícil. Ainda estou anestesiada, porque não parece verdade. A minha ficha ainda não caiu. Tudo isso aconteceu tão de repente”, diz à BBC News Brasil.

Primeiros sintomas do Covid-19

O pai de Márcia, após quatro dias que havia chegado em Brasília, começou a ter dificuldades neurológicas – sintomas atribuídos ao novo coronavírus. “O meu pai começou a perder noção de dia e hora. Ele nunca tinha passado por isso. Eu e minha mãe estranhamos”, detalha. Após dois dias a situação ficou mais grave. “Ele ficou muito diferente. Sempre foi uma pessoa ativa, mas estava muito cansado e esquecido. Depois, começou a ter febre”, relata Márcia.

O marido, José também começou a apresentar problemas de saúde. “Ele teve febre e ficou muito cansado”, disse a enfermeira. O PM que era diabético e já tinha problemas pulmonares.

Os parentes no entanto acharam que se tratava somente de uma gripe forte, mas com o passar dos dias os sintomas pioraram, até que em 22 março, Márcia levou o marido ao hospital. “Ele foi diagnosticado com uma gripe alérgica”, relata. Desde os primeiros sintomas, o sargento se afastou do trabalho.

O casal retornou para casa. No período, o crescimento exponencial de casos de Covid-19 no Brasil começou a chamar a atenção de Márcia e eles passaram a usar máscaras. Ela já considerava o coronavírus como uma ameaça real.

Mas apesar de continuar a fazer uso dos medicamentos a situação do sargento continuou a piorar, até no dia 26 de março com o quadro agravado, com dificuldades para respirar, dores nos pulmões e uma tosse muito seca, ele foi levado ao pronto-socorro e a saturação de oxigênio dele estava muito baixa. Os exames apontaram indícios de pneumonia, com características semelhantes às da Covid-19.

Após deixar o marido no hospital, Márcia já soube que os problemas do pai haviam piorado. “Chamamos uma ambulância e o acompanhei até o Hospital da Asa Norte (HRan), em Brasília. Estive com ele durante toda aquela madrugada”, comenta. Ele também foi considerado um paciente suspeito de Covid-19, em razão dos problemas respiratórios e da tomografia apontar comprometimento nos pulmões.

No dia 27 de março, ela não saiu mais de casa. Após ter sintomas como cansaço, tosse e falta de ar, ela procurou atendimento e os médicos também a consideraram como um caso suspeito de Covid-19. Em razão disso, teve de ficar em isolamento.

Os resultados dos exames de Márcia, José e Benedito deram positivo para Covid-19. “Não sabemos quem pegou primeiro e passou para os outros. Pode ter sido o meu pai, durante a viagem; meu marido, durante o trabalho, ou até mesmo eu em algum momento que saí de casa. É difícil saber”, diz Márcia.

Óbito do marido e pai

A enfermeira então teve que ficar isolada dentro da suíte que dividia com o marido, foram dias angustiantes à espera de respostas sobre a saúde dos entes queridos.

Porém no dia 2 de abril, ela se assustou ao receber mensagens de condolências nas redes sociais. “Estranhei, mas depois fiquei sabendo pela televisão: confirmaram o óbito do sargento que estava internado no hospital. Era o meu marido. Primeiro contaram para a imprensa”, lamenta. No período em que esteve internado, o sargento teve um Acidente Vascular Cerebral (AVC) hemorrágico, parada cardiorrespiratória e falência múltipla dos órgãos.

Mesmo com a morte do marido permaneceu em silêncio. “Não podia chorar na frente da minha mãe. Eu não queria que ela soubesse sozinha, porque eu não poderia ampará-la naquele momento”, diz. Márcia foi ao banheiro, abriu o chuveiro e chorou copiosamente a perda do marido.

“Chorei baixinho. Foi muito difícil conter a dor”, diz.

Dois dias depois, outra notícia triste: o pai dela teve uma parada cardiorrespiratória e não resistiu. “De novo fui para o chuveiro e comecei a chorar. Naquele momento, eu tive certeza de que a próxima seria eu.”

Apesar de sentir dores pelo corpo, falta de ar e febre, ela não quis ser internada. “Não queria deixar a minha mãe sozinha”, diz. Os três irmãos de Márcia moram no Paraná.

Funerais breves

José e Benedito foram enterrados nos dias seguintes às suas mortes, com procedimentos fúnebre rápidos. Com caixões lacrados, conforme determina a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “Não consegui acompanhar nada. Estava em meu quarto, reclusa”, lamenta Márcia. Na suíte de casa, ela alternava entre momentos de incredulidade e outros de choro silencioso.

Depois de 15 dias de isolamento, Márcia foi considerada curada. Sem os sintomas ela conseguiu sair da suíte em 13 de abril. “A primeira coisa que fiz foi contar para a minha mãe. Ela ficou tão incrédula quanto eu. Estamos muito tristes com tudo isso. Mas parece que a ficha ainda não caiu. Uma não gosta de chorar na frente da outra”, diz Márcia.

Com informações:G1